inserido no "Arqueólogo Português" de 1918 | Apresentação Cethomar
- Isto é uma gíria de pastores, uma fala de charra, não tem regras, nem normas!
Mas, quando eu lhe mostrava que as correspondências (dessa língua) com o latim eram certas, que a conjugação seguia com a ordem, ele pasmava e admirava-se que entre os cabanhaes de Genízios, e em meio dos hortos de Ifánez, se pudesse ter feito coisa tão regular como era a língua que velhos cabreiros lhe haviam ensinado em pequeno (…) esta deserdada e perdida filha do latim. (…) "
Obviamente, a linguagem em causa é o Mirandês, a qual foi reconhecida na década de noventa do século passado como a nossa segunda língua oficial, tendo a sua apresentação num concurso promovido pela Société des Langues Romanes em França, ganho o único prémio pecuniário atribuído no ano de 1833 pelo resultado alcançado pelo surpreendente opúsculo que J. Leite de Vasconcelos enviou apenas com a intenção de ver o nosso país representado.
Estudos de Filologia Mirandesa de J. Leite Vasconcelos
Este episódio é representativo da importância da obra que J. Leite de Vasconcelos produziu ao longo da sua vida e ilustra bem a ideia que constituiu o Leitmotiv que o guiou nos diversos caminhos que trilhou tentando demonstrar que ao contrário do que Alexandre Herculano dissertava quanto às origens da nacionalidade do homem português, – que não podia entroncar nos lusitanos mas coincidia com o inicio da nacionalidade – o português descendia de povos anteriores e a eles se achava “vinculado por laços de toda a ordem”.
Esconde-se nos costumes e tradições populares a memória ancestral que permite traçar também a história de Portugal, aquela história que aos olhos de muitos não passava de ruralismos e cultura arcaica degenerada que pouco tinha para contribuir para a construção da história da nossa nação. Todavia, Leite de Vasconcelos demonstra o contrário, e regista meticulosamente aspectos de uma realidade esquecida na historiografia oficial que se vinham impondo e olvidando a história viva que ainda pulsava no português que se exprimia sob uma linguagem de cabreiros ou naqueles que semeavam os campos.
Pergunta agora o leitor o porquê destas palavras iniciais e de que modo se interligam com os temas que por norma tratamos relacionados com Tomar.
Pois bem, J. Leite Vasconcelos é autor de dois artigos sobre o Signum Salomonis (pentalfa, pentagrama, hexagrama), porventura o maior publicado na nossa língua até aos dias de hoje, e no qual faz o levantamento de centenas desses símbolos disseminados pelo nosso território, e não limita esse registo apenas à arquitectura e à arte, mas a todos os veículos que o expressam, e que tanto pode ser, de facto a arquitectura religiosa, como uma canga para o cachaço dos bois.
E mesmo assim poderá subsistir no leitor menos atento ao património de Tomar dúvidas quanto ao motivo para apresentar tal trabalho: a fachada principal da igreja de Santa Maria do Olival apresenta ostensivamente um pentagrama! Pentagrama esse ao qual Leite Vasconcelos confere alguma atenção, não deixando de o reproduzir no seu artigo – diga-se, de uma forma tosca(na).
Algumas dos pentagramas do artigo "Signum Salomonis"
onde se vê o pentagrama da igreja de Santa Maria dos Olivais em Tomar
onde se vê o pentagrama da igreja de Santa Maria dos Olivais em Tomar
Pelo contributo da obra de Leite Vasconcelos para com a história da “consciência” portuguesa, à qual talvez se possa atribuir o mesmo valor que à "História de Portugal" de Herculano para conhecimento da nossa herança cultural e histórica, fomos tentados a fazer uma apresentação do homem e da sua obra, mas tal tarefa seria ingrata para com o próprio, até porque dificilmente conseguiríamos expressar essa homenagem como o fez o seu amigo Viegas Guerreiro, continuador da obra do mestre e responsável pela publicação dos restantes volumes da Etnografia Portuguesa – Vasconcelos em vida só viu quatro prontos e três publicados – coligindo-os a partir de elementos deixados por Vasconcelos, o qual, à beira da morte em 1941 adivinhava ainda mais quinze anos de trabalho para a sua conclusão – o último volume só foi publicado em 1989.
As palavras de Viegas Guerreiro fazem justiça à sua memória como poucas outras que se conheçam, e não será por demais, dizer que são de tal ordem comoventes que muito nos emociona as podermos dar a conhecer na íntegra.
E já que temos no nosso Cetarquivo, alem deste artigo de difícil acesso – mesmo tendo sido reeditado na segunda edição da Revista Lusitana pelo próprio Viegas Guerreiro já em idade avançada – ter também digitalizado o de Orlando Ribeiro, porque não o incluir também? Não fica este artigo de Orlando Ribeiro atrás do texto de Viegas Guerreiro no que respeita à memória da vida de Vasconcelos. Trata-se de dois artigos publicados em 1942 e 1958, logo após a morte do Mestre, e reeditado em 1960 com “pequenas leves alterações” para a inclusão no “Livro do Centenário de José Leite de Vasconcelos”. Esta nossa inclusão reproduz a de 1960 inserida na Revista Lusitana e compreende 34 páginas.
Final do texto de Viegas Guerreiro
Em cima: Orlando nos Açores e ainda jovem com Leite de Vasconcelos
Em baixo: Jose Leite de Vasconcelos e Orlando Ribeiro ainda jovem
Para terminar, e voltando ao motivo desta nossa iniciativa em parceria com o Cetarquivo, resta dizer que é intenção do Cethomar publicar um ensaio sobre o pentagrama incluso na fachada da igreja de Santa Maria do Olival, tendo-se socorrido dos dois textos agora apresentados – e não só – para a sua realização, e tendo noção da importância desta obra, pouco divulgada apesar de acessível no arquivo do Arqueólogo Português na internet, achamos por bem promover a sua acessibilidade a todos aqueles que se interessem pelo tema adicionando-lhe os textos já referidos.
por Cethomar
NOTAS PARA UMA BIOGRAFIA
do Doutor J. Leite de Vasconcelos
por Viegas Guerreiro | 26 pág.
VIDA E OBRA
de J. Leite de Vasconcelos
por Orlando Ribeiro | 34 páginas
SIGNUM SALOMONIS
de J. Leite de Vasconcelos | 113 páginas
ADITAMENTOS AO SIGNUM SALOMONIS
de J. Leite de Vasconcelos | 4 páginas
Quem desejar aceder apenas ao artigo do Signum Salomonis pode fazê-lo de imediato pela hiperligação existente no texto acima publicado, o qual conduz directamente para o local do arquivo do Museu Nacional de Arqueologia onde se encontra o artigo. Quem desejar por completo o conteúdo do pdf apresentado deverá enviar-nos o email para o qual devermos o remeter.
5 comentários:
Esperamos que gostem desta nossa iniciativa.
Eu gostei. Lysardo
Também eu gosto de publicar eventos e iniciativas de Santa Maria, mas dos Açores, estava a navegar na net à procura de novidades da minha terra, quando encontrei o vosso blog e gostei. considerem uma visita ao meu blog, sobre a "minha" Santa Maria http://santamariaazores.com.
Parabéns pelo vosso trabalho.
Arnaldo muito nos honra ter gostado. Iremos então fazer uma visita ao seu blog. Obrigado
Diria mesmo interessantíssimo
Bernardo Catarino de Santa Cita
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