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9/15/2011

QUINTA DO CONVENTINHO - parte II

HISTÓRIA, LENDA E MISTÉRIO -  Links: Apresentação e parte I
Autoria: Paulo Andrade | Cethomar 

2. Antecedentes e fundação | Problemática da data da Fundação


Como já referimos, e parafraseando novamente Mendes Leal, “é legendária a existência em Loures do convento franciscano feito pelos Templários de 1200 a 1300 com a denominação — Divino Espirito Santo— da ordem de S. Francisco d'Assis, com a sua grande egreja; edifício esse cahido pelos dois terramotos de 7 e 26 de Janeiro de 1531, dos quaes, em abono da verdade d'este historiado se vêem, pelo interior das hortas, hoje do Saraiva, em Loures, uma respectiva parede antiquíssima com as cavidades de capellas; e também, ha poucos annos, todos viam a citeira hoje, demolida do cimo d'um largo vão de porta, demonstrando ter tido ali sino ou campanário”.
 

Foram então os terramotos do ano de 1531 os responsáveis pela sua destruição, tendo-se posteriormente erguido das suas ruínas em 1541 uma ermida a que deram a mesma designação de Espírito Santo, assim como um albergue e um hospital, por iniciativa da associação de conterrâneos que se denominaram como “Irmandade do Espírito Santo”, substituindo-se assim à Ordem Terceira, mas mantendo a mesma vocação.

Ao mesmo assunto também se reporta o Padre Álvaro Proença na sua obra " Subsídios para a história do Concelho de Loures” em 1940, referindo que “Na vila de Loures existiu um convento de frades capuchos. Era de treze o número de religiosos e nada se conhece do seu início. Parece ter sido construído no século XIII e tinha uma magnífica cerca. Os terríveis terramotos de 7 e 26 de Janeiro de 1531 transformaram-no num montão de ruínas”.


Livro do P. Álvaro Proença e de Vítor Manuel Adrião
Cruzeiro de Loures entretanto desaparecido, vendo-se agora em
 frente à igreja matriz de Loures apenas a sua base
ss
Quanto à sua localização encontrámos referências na publicação da Câmara Municipal de Loures “De Convento a Conventinho, biografia de um espaço”, todavia estamos em crer ter-se apoiado na obra que citamos no parágrafo anterior e que nos diz que "Á entrada da vila, perto do lugar onde está hoje (1940, data do livro) o posto de fiscalização da policia de transito, ainda se vêem os muros velhíssimos da antiga cerca conventual, hoje cortada pela estrada Lisboa-Porto. Dentro desse recinto existiu o edifício do convento e a igreja anexa que o terramoto só deixou ruínas”

Esse antigo convento localizar-se-ia então junto ao antigo posto de fiscalização da polícia de trânsito à entrada de Loures, também desaparecido, designado hoje esse local de Largo José Paulo de Oliveira.

Local do antigo posto de fiscalização, hoje desaparecido

Posteriormente, em 1574, segundo a publicação Câmara Municipal de Loures, ou em 1975, conforme se lê em Mendes Leal e noutras publicações mais modernas, iniciou-se a construção de um novo convento nos terrenos do lugar da Mealhada, a dois quilómetros de Loures, e em memória dos anteriores foi de igual modo dedicado ao Divino Espírito Santo, que desta vez acolheu os franciscanos Arrábidos (e os velhos frades da ermida construída pela Irmandade quarenta anos antes, segundo Mendes leal), construção essa patrocinada por Luís Castro do Rio, fidalgo de Frielas, da família dos Condes de Barbacena em terrenos seus tornando-se assim, além de fundador igualmente padroeiro deste convento.


Antiga imagem do Conventinho

Luís Castro do Rio era irmão de Diogo de Castro, sendo ambos mercadores muito ricos e provavelmente de ascendência judaica. Filhos de António Vaz de Castro e Dona Brites de Castro, só acrescentaram “Rio” ao seu nome após o Rei Dom Sebastião conceder carta de brasão de armas a Diogo de Castro em 1561 e lhe ceder a Quinta do Rio em Sacavém sob obrigação de usar o apelido Rio, e como reconhecimento a Diogo de Castro por serviços prestados à nação como Cavaleiro da Ordem de Cristo. No brasão concedido aos Castro do Rio destacam-se como elementos mais significativos o escudo, uma flor-de-lis (verde), um elmo cercado por uma linha de água e diversas arruelas.


Encontra-se Luís Castro do Rio sepultado numa das criptas da capela – na maior e debaixo do arco triunfal – e da qual dar-vos-emos detalhes mais adiante, informando desde já, ter sido esta cripta aberta e sujeita a investigações arqueológicas e forenses à relativamente muitos pouco anos, não obstante ser provável que já tivesse visto a luz do dia pelas mãos da família Alemã que se estabeleceu na Quinta durante bastantes décadas do século XX, não tendo no entanto, se tiveram de facto a conhecido por dentro, tocado no seu interior, dado que quando da sua abertura aparentava não ser “mexida” à muito tempo, reportando-se a sua abertura e remexidas ao ultimo sepultamento que tivesse abrigado – como se verá mais à frente, foram encontrados mais de duas dúzias de corpos, o que indica ter existido sepultamentos em datas diferenciadas. (entretanto, e como irão ver pela publicação de um email que entretanto recebemos, soubemos ter sido essa cripta aberta na década de oitenta, tendo-se fechado imediatamente)

Foto de como a cripta se encontrava quando da sua abertura
 na década de noventa (mais adiante publicamos imagens actuais)

De certo terão os promotores da abertura da cripta havido ter uma surpresa quando, após terem descido as escadas que lhe dá acesso, foram surpreendidos por uma interessante epigrafia de Luís Castro do Rio que desse modo se dirige em discurso directo a quem “viole” esse espaço. Encontra-se essa inscrição em local estratégico e bem visível - nitidamente intencional – por forma a que seja impossível entrar nessa câmara funerária sem se confrontar com essa voz que parece querer ser ouvida apelando aos leitores dessa mensagem para que não abandonem o cadáver que se encontra vazado da alma.


DVM VIXI VARIAS VOLVEBAM IN PECTORE CVRAS /

  QVIPP(E) QVIES ABERAT QVAE NV(n)C MIHI PARTA SEPV(I)CHRO / EST 
  SI QVANDO HVC VENIAS Ô LECTOR , VOLVERE SAXVUM/
  DESINE NIL PRETER VERMES ET INANE  CADAVER /
  IN VENIES TERRA OSSA FOVET FAELICIOR VMBRA /
  OVTINAM A(S)TRA PETAT ,DULCIQZ FRVATVR OLIMPO/
  HOC IDEO NOS SPONTE DEO DVM VITA MANEBAT/
  CONDIDIMVS TEMPLVM QVO FVNERA NOSTRA QVIESCV(n)T/
  
"Na verdade, o repouso no sepulcro que estava distante, chegou
         agora para mim. Se alguma vez aqui vieres, ó leitor, ler (esta) 
         pedra, nada renuncies, salvo os vermes, ao cadáver inútil . Mais 
         feliz na sombra, (o meu cadáver) conserva os ossos na terra 
         (para a qual) virás. Para tal, nós, por vontade divina, enquanto 
         a vida durava, construímos um templo no qual descansam os 
         nossos restos mortais"
 

Era o Convento da Mealhada – Quinta do Conventinho – casa de frades franciscanos da Província de Santa Maria da Arrábida, cuja Sede Mater foi fundada na Arrábida por Frei Martinho de Santa Maria, Frei Pedro de Alcântara e mais dois outros eremitas espanhóis, tendo o beneplácito do primeiro Duque de Aveiro, Dom João de Lencastre, oferecido a estes inicialmente uma ermida em plena serra e logo de seguida  terras na encosta da serra para construção do convento propriamente dito, alias conhecido como Convento Novo. Contudo é a Frei Agostinho da Cruz, poeta e místico, que na Arrábida viveu quase 20 anos que ficou o convento da Arrábida mais a dever pela sua obra “Elegia da Arrábida”.

Frei Martinho de Santa Maria de olhos vendados 
no Convento da Arrábida

Segundo Frei António da Piedade, conforme deixou escrito na sua obra “Espelhos de Penitentes e Chrónica da Província de Santa Maria da Arrábida” de 1728, obra na qual dedica meia dúzia de páginas à fundação e a notícias do Convento do Espírito Santo de Loures, teria sido a pedra da fundação lançada no dia do Espírito Santo do ano de 1573, o que contradiz as duas datas já anteriormente avançadas.


É esta a obra na qual se tem baseado os mais recentes trabalhos dedicados ao Conventinho, nomeadamente o da Câmara Municipal de Loures a que já aludimos, decerto por ser a que maior destaque dá à história deste Convento, visto ser um dos conventos fundados pelos frades que escreveram a crónica. Todavia, após exaustivas buscas em obras anteriores, encontrámos breves referências à sua fundação, por ventura colhidas junto a crónicas mais antigas, as quais devem ter servido a Frei António da Piedade para a sua compilação histórica, ou mesmo recolhidas junto a memórias dos freires do Conventinho.

Encontrámos precisamente essas breves referências no "Agiológio Lusitano", no volume II e IV, este último posterior à crónica do Frei António da Piedade, criticando-o por não haver dado noticias mais alongadas quanto às virtudes dos freires que habitaram o Convento da Mealhada (Conventinho).


Quanto ao volume II desta obra que data de 1657, anterior à crónica da Arrábida, além de não existir mais do que uma sucinta descrição de sepultamentos que houveram nesta “casa de Loures” e a referência a uma data de fundação que não coincide com outras já adiantadas anteriormente neste artigo, encontrámos uma preciosa informação: Era esta casa, ou convento, a décima terceira da Província de Santa Maria da Arrábida, facto a que não alude a crónica, mas que não escapou ao Padre Álvaro Proença e que possivelmente terá sido extractada desta obra ou de alguma outra lista dos conventos desta província que não havemos conhecido apesar das pesquisas que se fizeram nesse sentido. Vítor Manuel Adrião repete a mesma informação na obra “Ode a Loures”, na qual dedica um capítulo à Quinta do Conventinho.


Chegados aqui iremos tentar desvendar o mistério das distintas datas atribuídas à fundação do Conventinho, já que consultámos e demos-vos a conhecer as obras nas quais as publicações modernas se terão apoiado para fornecer datas diferenciadas. Pois bem, a data de 1574 só a vemos referida na obra da Câmara Municipal de Loures “De Convento a Conventinho, biografia de um espaço“, informando que " A Construção do Convento...iniciou-se no dia do Espírito Santo, no ano de 1574.(Piedade,1728:537)", e que julgamos ter sido deduzida a partir do seguinte parágrafo do “Espelhos de Penitentes e Chrónica da Província de Santa Maria da Arrábida” que informa que “se lançou a primeira pedra em dia do Espírito Santo do anno seguinte de 1573”, dando ideia de que a fundação teria sido então no ano de 1574, visto ser obviamente o ano seguinte ao de 1573. Todavia referia-se o cronista ao ano de 1572 expresso na página anterior, ano em que foi eleito Ministro Provincial Frei Baltazar das Chagas, o qual teve “ânsia” em “dilatar” a província com novas fundações, tendo o feito no “anno seguinte”. Quisesse o autor dizer o ano de 1574, teria dito “do ano seguinte ao de 1573”, invés de “ano seguinte de 1573”, o qual determina o ano em vez de o induzir.

Três excertos das pag.526 e 527 de “Espelhos de Penitentes e
 Chrónica da Província de Santa Maria da Arrábida”, parte I, Livro III, Cap. 45

Resolvida a questão da fundação no ano de 1574, restam outras duas datas: a de 1573 a que alude a Crónica atrás referida e a data de 1575 atribuída à fundação pela generalidade dos autores do último século, como sejam, Pinharanda Gomes, Vítor Manuel Adrião, Mendes Leal e Álvaro Proença, esquecendo por agora obras de menor valor quanto ao tema. Não nos é sabido se estes terão encontrado a data na “Corografia portugueza: e descripçam topografica do famoso reyno de Portugal” de 1712, visto esta obra avançar com semelhante data ou se terão a recolhido na mais antiga referência que havemos tido conhecido no âmbito deste artigo, ou seja, no “Agiológio Lusitano” (1657, vol. II, pag 272), a qual adianta também a data de 1575.


A nosso ver, e acreditando que Frei António da Piedade houvesse recolhido a data de 1573 junto aos próprios frades do Conventinho - eram da mesma Ordem - que porventura teriam ainda disso memória ou a data inscrita em algum dos seus livros de acontecimentos, alias muito provavelmente obrigatórios como o eram para as restantes Ordens, é bastante credível ser essa data a da fundação, não obstante o “Agiológio Lusitano” ser anterior quase em setenta anos, pelo que cremos ser o ano de 1573 o do lançamento da primeira pedra, como o próprio o diz, e o ano de 1575 (do Agiológio) o da instalação dos frades senão mesmo de conclusão da obra, sendo por norma esta a data que se costuma inscrever numa das pedras do monumento.

Sabemos que em 1580 houve Capítulo da Ordem neste convento, pelo que não estando as obras concluídas em 1575, mas somente criadas as condições de habitabilidade para estes se instalarem, não restará dúvidas que em 1580 já estaria decerto este Convento concluído na sua primeira fase de edificação. Talvez seja mesmo esse o motivo pelo qual se fez Capítulo nesta casa fradesca.

Demoramo-nos nesta questão das datas não somente pelo mistério das datas que havíamos de solucionar (ou tentar), mas também porque o Cethomar, e ao qual agradeço o incremento e aprofundamento do artigo inicial, imponha que se trouxesse algo de novo ao que já havia sido escrito ou dito sobre o Conventinho. Não devia ser este artigo meramente uma divulgação ou promoção do espaço mas sim de alguma forma um contributo, e prova disso foram as fontes originais cedidas pelo Cetarquivo com que temos vindo a ilustrar o artigo e a biografar o Conventinho, assim como esta questão das datas, que resolvida, permitiu-nos então, pela primeira vez, estamos em crer, dar a conhecer em concreto o dia da fundação, já que em todas as obras que consultámos apenas se referir ter sido fundado (ou lançada a primeira pedra) no dia do Espírito Santo, o qual nem sabíamos em que ano em concreto seria.

Pentecostes representado no altar-mór da Capela do
Espírito Santo da Quinta do Conventinho

Apenas com a resolução da questões das datas, e pensamos a ter solucionado, conseguiríamos saber em que dia do ano se teria lançado a sua primeira pedra, visto o dia do Espírito Santo ser móvel, não se lhe conhecendo o dia sem saber em concreto o ano.

O designado dia do Espírito Santo é vulgarmente conhecido como o Dia de Pentecostes, o quinquagésimo calculado a partir do Domingo de Páscoa, havendo então que conhecer inicialmente em que dia se teria festejado a Páscoa no ano de 1573 no calendário Juliano, visto só ter entrado o nosso actual calendário - Gregoriano - em vigor a partir de 1582.

Podemos então afirmar, e se tivermos errados nos cálculos apreciaríamos a critica merecida, ter sido lançada a pedra da fundação do Convento do Espírito Santo de Loures, vulgo actualmente, Quinta do Conventinho, no Domingo de dia 10 de Maio de 1573, o qual corresponde no nosso calendário Gregoriano ao dia 20 de Maio.

Tecto da Sacristia
Representação do Espírito Santo

Parte I - Introdução | Loures Templária
Parte III Personagens da história do Conventinho | O Ministro e o burlão
    

4 comentários:

Anónimo disse...

Só para deixar aqui o meu testemunho de como o vosso blog é do que tenho visto de mais interessante pela internet. Sou uma apaixonada pela história das ordens militares mas já à muito que me cansei do que se escreve por estes meios. São os senhores um exemplo de que afinal ainda se conseguem produzir bons textos de informação sobre essa linda cidade de Tomar e os Templários.
Felicidades de Alberta Casanova

Anónimo disse...

A data de 1573 também é dada por Fortunato de Almeida como a de lançamento da obra do Convento.

A História da Igreja em Portugal (1910-1928), Fortunato de Almeida -
Vol III da primeira edição.

O vosso trabalho é de considerável interesse e prima pela objectividade com que se pauta.

P.e Eduardo Santos

Anónimo disse...

Não deviam dar parte ao próprio Conventinho?
Cristina Frias

Anónimo disse...

E aproveito para dizer o quanto gostei do vosso blog.
Cristina Frias