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3/14/2011

NOVOS SUBSÍDIOS SÃO CRISTÓVÃO

Análise Critica da pintura mural
Autoria: Círculo SC do Cethomar
(Degraconis, Voltron , Cluny)


No decorrer do presente ano muitos foram os ensaios que dedicámos à presença de São Cristóvão em Tomar, e estando a terminar o ano, ainda em redor deste tema gravitamos, apresentando-se este último texto – se o vier a ser -, a nosso ver, portador de notícias que até à pouco tempo nos eram totalmente desconhecidas, não obstante as várias tentativas que fizemos para as conseguir trazer ao blog na altura. Trata-se da “decifração”, digamos leitura, do texto que faz parte da pintura mural do São Cristóvão que se encontra na Charola, assim como, uma hipótese de datação.

Obviamente, e constatadas as nossas logradas hipóteses de leitura desse texto, tivemos que nos socorrer de terceiros, consubstanciando-se este ensaio nas hipóteses avançadas pelos mesmos. Todavia, outras ideias expressas neste texto, que não se relacionem directamente com a leitura do texto e datação da pintura mural, são ilações dos elementos do Cethomar que têm vindo a desenvolver trabalhos nesta área.

1. DA CRONOLOGIA

A cronologia mais provável para esta pintura deve-se situar entre o período de 1475 e 1500 apesar da maior parte dos investigadores lhe atribuir maior antiguidade, possivelmente iludidos pelo aspecto arcaico de desfigurado da pintura – mais de 90% da pintura perdeu a sua policromia.


Dagoberto Markl julga esta pintura ser dos finais do Séc. XIV e Sílvia Leite propõe uma data de princípios do Séc. XV, todavia o que nos resta ainda da superfície que não perdeu por completo a sua policromia, faz sobressair claramente, ser esta uma obra de grande tratamento e apuro plástico que dificilmente poderia ser alcançado nas datas propostas. A qualidade do trabalho técnico, verificável no curto fragmento da indumentária, junto à inscrição, denota técnica de pintura que ainda não se havia manifestado na pintura em datas anteriores ao último quartil do séc. XV. Repare-se nas diversas tonalidades de vermelho e diversos jogos de luzes e sombras presentes nesse pequeno pedaço da pintura que ainda mantêm as suas policromias de origem, para se ter uma ideia da riqueza da obra original.


Devemos fazer aqui uma justa ressalva; a cronologia proposta pelos dois investigadores atrás referidos remontam a período anterior ao da intervenção de restauro realizado na última década, o que limitaria, de certo, a correcta leitura do fresco, “fazendo com que parecesse não ser mais do que um conjunto de manchas cromáticas desprovidas de modelação e intervaladas por algumas linhas de desenho marcadas com bastante rigidez.”

A data sugerida não decorre somente do estilo e apuro artístico verificável, mas também, do facto de não ser mencionado no documento de 1499 que manda “(…) pintar a charola do convento de dentro e de fora a saber os verdugos desda chave de cima ate baixo e os campo dazul com suas rosas e estrelas de douro (…), ou seja, seria anterior a esta data.

Por outro lado, como algumas das pinturas em tábua realizadas em 1510/1515 vieram tapar as pinturas murais dos mesmo espaços da charola, não poderia o São Cristóvão ser posterior a essa data. Sabe-se que essas tábuas só foram fixadas nas paredes por volta de 1530, pelo que deve ter estado a nossa pintura mural a descoberto durante aproximadamente cinquenta anos se tivermos em conta a cronologia avançada, o que poderia implicar algumas repinturas, estas ainda hoje reconhecíveis. Depreende-se das diversas visitações levadas a cabo em igrejas das ordens militares, que era comum ao fim de duas décadas de existência as pinturas murais estarem necessitadas de repintura ou reavivo de cores.

O facto do referido painel funcionar em estreita ligação com a primitiva porta da entrada da Charola (pela natureza do Santo devia este ser visto de imediato, mesmo ainda antes da Virgem ou de Cristo) situar-se-ia a sua encomenda em período anterior à abertura da porta sul, argumento a anuir a ideia de cronologia avançada de 1475/1500.

2. DAS INSCRIÇÕES OU LADAINHAS - parte I
Da Legenda


Das poucas pinturas murais de São Cristóvão conhecidas, como sejam, a de Adeganha, Évora, Santa Leocádia, Gondar, Outeiro Seco e Serzedelo, a de Tomar é a única que apresenta inscrições, apesar de se encontrar muito esvanecida, é ainda possível identificar o que possivelmente estaria escrito, segundo Luís Urbano Afonso.

Apesar de não se ter conseguido ler a totalidade das treze linhas da legenda que acompanha a imagem, a qual foi claramente retocada em alguns caracteres, pode-se a partir das letras legíveis perceber que estamos diante de duas ladainhas complementares dedicadas ao Santo. A primeira remete para um formulário latino em verso, sobejamente difundido que visava protecção contra a morte súbita, função à qual já tínhamos aludido noutro post, “Christofori sancti speciem quicumque tuetur, illo nempe die nullo languore tenetur”, o qual pode ser lido como “Todo aquele que é visto por São Cristóvão, para os lados de lá seguramente que nesse dia não cairá”, assumindo aqui o “visto” como protegido ou guardado por São Cristóvão.

No que diz respeito à segunda frase, é esta de mais fácil apreensão, mas em todo o caso, segundo Luís Urbano Afonso, talvez se consiga reconhecer algumas palavras, como seja, “CORPUS”, “CHRISTO (X~), “FUSTI”, “(M)ANNOS” e “DOLORE, as quais curiosamente integravam um outra ladainha associada ao Santo, “CHRISTO VISA FORI MANUS EST INIMICA DOLORI”, o que leva a concluir que a segunda frase da legenda deve-se aproximar muito desta formula apotropaica.

3. DAS INSCRIÇÕES OU LADAINHAS II
Da Filactéria


Filactéria junto à mão do Cristo

Além da legenda, já abordada sumáriamente, encontra-se na pintura, duas filactérias, uma junto à mão direita de Cristo, e outra junto ao designado ermitã. Da segunda nada se poderá dizer, em virtude do seu excessivo desgaste, mas da primeira, apesar de bastante esvanecida, deveria o texto corresponder à tradicional frase colocada na “boca” de Cristo neste tipo de iconografia: “EGO SUM LUX MUNDI” ou, na versão mais longa, “EGO SUM LUX MUNDI, VIA, VERITAS ET VITA”, contudo, não se consegue identificar qualquer umas destas palavras no texto, o que leva a pensar, ser esse insólito texto diferente do habitualmente gravado em cenários idênticos.


Filactéria junto à mão do ermitã


4. DA ICONOGRAFIA
Pequeno reparo

Embora só dediquemos aqui umas curtas linhas à iconografia associada ao episódio retratado, não é tema que se esgote neste espaço, e visto já o termos abordado noutro post, e ser tema bastante convidativo a elucubrações, desviar-nos-ia dos objectivos deste artigo tecer substanciais considerações acerca do mesmo.

Da leitura da tese a que tivemos acesso, refere o autor, a presença de uma palmeira reverdecida. De facto, reverdecida é imagem que não levanta dúvidas, mas de uma árvore que não uma palmeira. Todavia julgamos ser apenas um equivoco derivado do pouco enfoque que o autor deve ter dado a esse detalhe, interpretando a imagem a partir dos típicos elementos cénicos que costumam fazer parte da maioria das pinturas do tema que reflectem a lenda.

São Cristóvão além de ser o santo da “boa morte”, poder salvífico atribuído à visualização da sua imagem, não permitindo o fiel nesse dia morrer sem bênção, razão pela qual era a sua localização privilegiada ou desmesuradamente representado, era também invocado para a recuperação de tesouros perdidos e protecção das árvores de fruto - segundo Louis Réau - sendo então no caso de Tomar, protector das Laranjeiras, árvore que julgamos estar ali representada, e sendo a palavra Laranja – ver anteriores postes – traduzida em diversas línguas como “Portugal”, numa lógica dedutiva, mas não menos fantasiosa da nossa parte, assume-se nesta pintura, como protector da nossa nação. Nesta lógica, e para a qual pedimos as maiores reservas, podemos contextualizar a ideia prematura do Cluny, que viu naquela representação uma alusão à missão dos Portugueses no âmbito da epopeia dos Descobrimentos, visto estar representado no mais importante bastião da Ordem de Cristo, responsável por levar o mundo europeu, nas suas caravelas, à outra margem do grande “rio” que é o mar Atlântico.

De facto, está essa imagem representada em lugar de destaque na sede da mais importante instituição religiosa e política de Portugal do século XV, o que lhe confere importância suficiente para não descurar-mos agora a ideia do Cluny, para mais se virmos que a imagem de São Cristóvão aparecia muitas vezes associada aos mapas de navegação do século XIV/XV, como se pode ver no capitulo das Considerações Finais e onde avançamos com uma datação alternativa para a pintura.

São Cristóvão no topo do mapa

Também não podemos deixar de sublinhar o facto de estar inserida na Charola, possivelmente o local mais sagrado e reservado do Convento de Cristo, porventura interdito aos profanos segundo alguns autores, colocando assim em causa, essa mesma interdição aos leigos, ou a ideia, de que a sua invoção para a morte súbita, ser apenas uma superstição popular de iletrados, visto a sua representação ser elucidativa a respeito do reconhecimento oficial que era conferida a este santo.

A ave que o Voltron descobriu entre o emaranhado dos ramos da árvore que constitui o bastão florido – atente-se na rapidez dessa transformação que até já atraiu um pássaro – foi alvo de muitas ideias controversas entre nós. Identificada como abutre, pomba, andorinha, ou mesmo como Fénix segundo o Cluny, visto a Palmeira ser designada também como Fénix, significando neste caso o renascimento da alma de São Cristóvão, concluímos que à margem destas ideias, ter-lhe-iamos que conferir um sentido mais geral por via das más ou forçadas interpretações que podíamos estar a fazer, ou seja, significaria simplesmente a alma do homem do ponto de vista simbólico, se lhe quisermos conferir algum significado a nível do símbolo.


Curiosamente no decurso das nossas pesquisas verificámos que no calendário litúrgico e no tempo cíclico, os santos do dia-a-dia, dividem-se em função da sua invocação. Teríamos assim os Santos associados à protecção do corpo (São Sebastião, Santo Antão, São Roque, etc), os santos curandeiros (São Brás, São Mauro), os milagreiros (Santo António, São Martinho, etc), os institucionais (São Pedro, São Paulo, São Bento, etc) e os da protecção da alma, onde se insere São Cristóvão. Coincidência ou não, esta associação à alma, curiosamente liga-se à simbólica que atribuímos à ave que arrolou-se na árvore que São Cristóvão segura (ver o post Ave Oculta).

11 comentários:

RUI GONÇALVES disse...

Trata-se de um trabalho já do ano passado e que deveria ter sido publicado no fim do ano mas o post OS PASTORINHOS DE SANTA BÁRBARA acabou por ocupar as disponibilidades possíveis para a sua publicação.

Irá ser publicado na integra no decorrer deste mês pr forma a permitir posteriormente iniciar a publicação de um novo trabalho que irá ser brevemente anunciado.

Quanto à MARCA DE GUALDIM, caso não tenha disponibilidade no blog brevemente irá ser enviado (as primeiras partes, tem o trabalho mais de 40 páginas) por email.

Anónimo disse...

"facto do referido painel funcionar em estreita ligação com a primitiva porta da entrada da Charola (pela natureza do Santo devia este ser visto de imediato, mesmo ainda antes da Virgem ou de Cristo) situar-se-ia a sua encomenda em período anterior à abertura da porta sul, argumento a anuir a ideia de cronologia avançada de 1475/1500"

Esta transcrição efectuada do trabalho faz-me levantar algumas questões.

1) A entrada antiga da charola ou a actual entrada da charola e não da igreja manuelina para que não existam confusões são frontais uma há outra.
Pelo que entendo afirma-se no texto que seria o fresco anterior ao fecho do portal primitivo da charola, insinuando que seria este aspecto uma prova nesse sentido correcto?

2) Mas se assim o for e visto as portas serem frontais uma há outra, tanto faz entrar por um lado como pelo outro pois ambas teriam o santo pela lateral e seria tão visível de um lado como pelo outro, como eu mesmo já o comprovei no local? O que me faz afirmar que essa prova suscita-me duvidas.

3) Afirmar que São Cristóvão deveria ser visto antes de Cristo e da Virgem é correcto, pode ter o seu fundamento baseado nas tradições populares.
Não fosse um aspecto, está-se a supor que o local onde o Cristo e a Virgem se encontram, seria o mesmo na altura que ainda se entrava pelo portal primitivo. Ora na minha opinião e nem pondo a hipótese de tais esculturas ainda não existirem nessa época, que lógica teria ser o local delas o local actual? Virada para a parede de Fundo. Nenhum é certo, portanto a existir tais esculturas ou outras semelhantes estariam elas viradas para a porta primitiva.

A localização de São Cristóvão na Charola de facto só poderia ser naquele local ou na parede frontal aquela.

Se a entrada fosse pela porta primitiva visto que são as únicas paredes da charola que do ângulo de entrada demonstram ter melhor visibilidade, visto que a entrada todas as outras ficariam parcialmente ou totalmente fora do ângulo de visão.

Mas se porta fosse a actual aquela seria a única parede correcta para a pintura estar, pelo facto de quem entra pela porta sul da Igreja Manuelina e olhasse para a charola veria o santo um pouco depois de entrar na igreja.

Exprimentem realizar estas observações no local.

Abraços

RUI GONÇALVES disse...

Obrigado pelo sue interesse. O tempo não chega para tudo. Oportunamente tentarei responder-lhe às questões.
Abr

Anónimo disse...

Certo, parece-me que terei de esperar, mas com tantos contribuidores do blog talvez algum deles o possa fazer.

Afinal de que serve publicar, se não podemos defender a tesse escrita, quando existem argumentos que a contrariam?

Abraços, Anónimo por obrigação.

Anónimo disse...

TESE

Assinado por:
Corrector do word

Anónimo disse...

SEU

Assinado por:
Corrector do word

Anónimo disse...

SEU?

Assinado por:
Dúvida metódica

Anónimo disse...

Quando irão publicar o restante trabalho? Não será possível, ou conveniente, anunciar datas?
Agradecida
Berta

RUI GONÇALVES disse...

Brevemente.

Anónimo disse...

Agradecida pela desprezo.
Berta

Anónimo disse...

Aqui está algo sobre aquilo que me chamou à atenção na última vez que estive em Tomar. :) Obrigada.

Fátima Costa