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5/21/2011

DA DATA DA FUNDAÇÃO - parte II

in TOMBO DOS BENS, RENDAS, DIREITOS E ESCRITURAS DA
MESA MESTRAL DA ORDEM DE CRISTO NA VILA DE TOMAR
Autoria: CETHOMAR

 Data da edificação constante do tombo de Pedro Alvares de Seco (fólio 2)

Pedro Alvares de Seco aponta o dia 1 de Março de 1168 da Era de César como data da fundação do Castelo de Tomar, conforme depreendeu da leitura do letreiro inscrito numa pedra que se encontrava encastrada na parede dos paços designados por Henriquinos, colocando no entanto, em causa, a veracidade dessa mesma data, visto não se ajustar às outras datas referidas. Conforme o mesmo escreve, considerar a data de 1168 da Era de César como a da fundação, e ajustados os 38 anos da alteração do calendário ocorrida no séc. XIV, teríamos o ano de 1130 da Era de Cristo, data impossível para esse acontecimento, visto existir factos já conhecidos como sendo de data bem posterior, nomeadamente a nomeação de Gualdim como mestre da Ordem do Templo na província de Portugal, e então não terem encaixe em data ao recuada.

Passados aproximadamente duzentos anos, Frei Bernardo de Costa na sua obra “Historia da Militar Ordem de Cristo”, volta a invocar a mesma data conforme inscrito no letreiro citado, o qual leu e chegou mesmo a transcrever de igual. Alias, Frei Bernardo de Costa, além dessa data de 1168, em determinada passagem do seu tombo refere ainda a data de 1178, notoriamente um engano da sua parte induzido pela leitura do texto que podem ver no inicio deste artigo, onde o “s” do “cesenta” se assemelha a um “t”.


Antes de prosseguir, há que dar destaque à advertência de Oliveira Martins nas suas aulas quanto ao estudo dos livros produzidos no século. XVI, nomeadamente os conhecidos pelo nome de “Leitura Nova”, dizendo-nos que esses “volumes são preciosas obras de arte pela ornamentação que ostentam e pela perfeição caligráfica, mas nem sempre primam pela correcção das transcrições. Por isso, antes de fazer fé em qualquer documento da “Leitura Nova, deve o estudioso acautelar-se e averiguar da possível existência do original. Todavia, grande parte desses documentos só existe naquela colecção (…)”. Iguais reparos encontramos no presbítero secular Dr. João Pedro Ribeiro, um dos escritores mais eruditos de Portugal e verdadeiro precursor de Alexandre Herculano nas investigações históricas dos documentos existentes pelos arquivos e cartórios do reino, e que chega ao ponto de dizer que “os erros de data dos Livros Leitura Nova do Real Archivo são tão frequentes quanto o numero de datas que neles se transcreveu”.

Então mas a data inscrita é de facto a de 1168? Será possível que estes dois autores, que conviveram de perto com a sua presença no castelo, não conhecerem bem a data constante na pedra, que aliás é facilmente legível? Imiscuímo-nos de citar outros autores que tenham caído em semelhante erro por não serem tão relevantes para a história do castelo de Tomar.

Antes de explicar o engano da parte destes dois autores, iremos recuar até ao tempo de Gualdim Pais, e a partir dai explicar como surge a pedra que ambos leram erradamente, ou à qual não deram suficiente atenção na sua leitura.
No século XII, data da fundação do castelo, Gualdim Paes inscreveu a data do acontecimento num pedra que se encontra ainda hoje na torre de menagem. Trata-se de um lintel de uma porta para o primeiro piso da torre só acessível por meio de uma escada amovível, como ditavam as regras militares da altura. A inscrição, com o passar dos anos, foi-se degradando, chegando mesmo a perder parte do seu texto pela mutilação que sofreu na sua parte inferior. Pode o leitor, ficar a saber, a título de curiosidade, ser essa mesma pedra um aproveitamento de uma Ara funerária romana, onde é possível ler na sua parte voltada para baixo uma outra inscrição com mais de mil anos que a da comemoração da fundação do castelo.



Torre de Menagem onde está o letreiro do tempo de Gualdim Paes
 e onde o aspado é mais evidente – Inscrição romana virada abaixo.

A determinada altura, possivelmente no século XIII, por ordem de alguém foi o texto dessa pedra da torre de menagem, transcrito para uma nova pedra, constituindo-se como uma réplica da original. O motivo de tal acção não há maneira de o saber, mas possivelmente surge do facto da pedra da torre estar francamente em risco de se perder, ou eventualmente, uma forma de dar noticias da fundação do castelo em lugar mais central, visto a cópia ter sido colocada em local francamente mais visível e próximo do centro da vida social. Não só se fez uma cópia integral do texto como se acrescentou mais notícias da história daquele castelo. Foi colocada na fachada dos Paços da Rainha e só posteriormente assentou no local onde se encontra hoje.

Foi esta cópia que ambos os autores referiram como tendo sido aquela de onde tiraram a data que apontaram como a da fundação do castelo.


Aparentemente a data que se pode ver é a de MCLXVIII (1168) mas o “X” apresentado na data não é semelhante aos restantes que surgem no decurso do texto. Trata-se de um “X” “aspado”, o que multiplica o “X” (de valor 10) por 4, dando-lhe então o valor de 40 e não de 10. Portanto a leitura da data deveria ser de MCLXXXXVIII, ou seja, o ano de 1198, e se a essa data retirar-mos os tais 38 anos obtemos a data de 1160, actualmente considerada como a da fundação. (existe ainda a questão de ser 1160 ou 1161, mas essa é uma outra história para outra altura)

 Verifica-se mais facilmente o “X” “aspado” na pedra original, mas não deixa de ser verificável também na cópia, pelo menos para quem esteja familiarizado com textos antigos, pelo que muito nos causa admiração, Pedro Alvares de Seco não ter feito uma correcta contagem. Não temos neste momento a certeza se foi por não saber que o “X” “aspado” tem o valor de 40, ou se a causa se deve a descuido seu quando a viu, não tendo olhado atentamente para a original que estava nas proximidades. Mais nos admira, ter levantado muitas dúvidas quanto a essa data e não se ter dedicado a tentar perceber que erro poderia estar a ocorrer.

Quanto a Frei Bernardo de Costa, o qual não nos causa tanto espanto em ter cometido o mesmo lapso de leitura, pode muito bem ter sido influenciado pelo texto de Pedro Alvares de Seco, do qual se socorreu para elaboração do seu tombo sobre a historia do Ordem do Templo e da Ordem de Cristo. Todavia o facto de ter feito uma transcrição para o seu tombo do próprio texto constante na pedra duplicada, onde não “aspou” o “X”, pode levar-nos a pensar não ter dado conta ou não saber de tal prática antiga.


Transcrição do letreiro feita pelo Frei Bernardo de Costa
 onde não se verifica o “X” aspado

Se acreditarmos no que João Pedro Ribeiro afirma, poderemos crer tratar-se de facto de um desconhecimento da parte de muitos dos que estavam incumbidos de transcrever documentos antigos no séc. XVI e não só nesse século pelos vistos.


Resta-nos dizer que a inscrição original, em virtude da mutilação sofrida perdeu as ultimas palavras do texto, estando no entanto reconstituídas na copia que se fez.

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