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3/24/2007

FORAL DE THOMAR, 1174

“Tomar não possuía uma tradição jurídica idêntica à de Coimbra. É natural que, no decorrer dos anos esta carência viesse a acentuar-se, explicando a outorga de um novo foral, em 1174. Este diploma destina-se a suprir as lacunas do foral anterior, e, por conseguinte, não o substitui, mas completa-o, devendo os dois considerar-se como uma unidade. No de Castelo do Zêzere e outros posteriores, os dois textos fundem-se num só diploma.

O foral de Coimbra de 1111 limitava-se a garantir as liberdades e direitos municipais e a definir as obrigações fiscais. Não continha as normas relativas aos procedimentos judiciais, nem uma tabela de coimas, carências que, segundo observámos, diversos forais tributários do modelo coimbrão foram ultrapassando, fazendo as necessárias adaptações, tanto mais que, é sabido, não se ativeram a uma escrupulosa reprodução de formulários notariais, mas, seguindo a via da memória e da tradição oral, interessaram-se mais pelas realidades que pelas palavras.

Por caminho diferente enveredou o mestre dos Templários, ao outorgar a Tomar, e depois a outras povoações, uma carta de foro decalcada pela de Coimbra. Porque nas margens do Nabão não existia uma tradição jurídica idêntica à de Coimbra – é mesmo provável que uma parte dos povoadores fosse gente desenraizada, vinda de outras paragens –, cedo foi necessário responder às necessidades, que o concelho sentiria, de possuir um núcleo bem definido de normas de actuação e uma tabela de coimas, a que no momento azado pudesse recorrer. Daí que Gualdim Pais, o mesmo outorgante da carta de 1162, com os seus confrades, considerando ser “necessarium (…) raponas et iniurias a poulo nobis súbdito misericorditer removere”, decidisse promulgar outra carta, com vários “decreta” para governo dos munícipes – o foral de 1174. Salvo, pois, alguns pormenores, destinados também a colmatar lacunas, o novo diploma destina-se a fixar normas jurídicas e, para os delitos, as correspondentes penalidades.”

“Entre os pormenores que se afastam do contexto geral, merece destaque a cláusula relativa ao almotacé, que, segundo é do nosso conhecimento, surge pela primeira vez nos “Decretos” ou Posturas coimbrãs de 1145. O foral de Tomar determina que o almotacé seja do concelho.

Repete-se a especificação de que é de dezasseis alqueires a jugada a pagar pelos peões, e de um em cada dezasseis alqueires o foro a pagar pelos moinhos. Os moleiros, diz-se pela primeira vez, devem respeitar o que acerca da construção das “cambas”, isto é, dos moinhos, lhes for determinado. Esclarece-se também que, por toda a besta de carga que faça transportes de aluguer para eiras ou lagares, fica o seu dono sujeito ao foro de almocrevaria, isto é, terá de fazer ou pagar o correspondente ao serviço de um dia em cada ano.

O senhor da terra é aqui o mestre da Ordem do Templo, mas as relações entre a Ordem e o município dão estabelecidas através do comendador responsável pela casa de Tomar. No texto do foral o mestre só é citado, quando alguém, mordomo ou “justiça”, transgredir os preceitos do foral por venalidade ou por amizades: “si autem maiordomos vel iustice hoc nostrum directum irrumperit pró ofrecione aut amore alicuius, ipse et res eius sint in potestate magistri et fratrum”.

A autoridade máxima no interior do município pertence ao concelho. O concelho trata dos assuntos de interesse público (por exemplo, como observámos atrás, estabelece directivas sobre a instalação de moinhos), e de tal modo que as querelas entre privados, mesmo quando vierem ao de cima em reunião do concelho, só terão seguimento se o interessado apresentar queixa formal perante o mordomo ou as “justiças”. No julgamento de crimes, só encontramos referência à necessidade de recorrer ao concelho na ocorrência de crimes cometidos por mouros, a que eventualmente possa ser aplicada a pena de morte.”
“Uma das cláusulas refere-se ao alcaide ou juiz – “Sinal d’Alcaide aut iudicis cum testimonio teneatur” – mas não é claro se a disjuntiva se refere a dois cargos diferentes ou a dois nomes do mesmo cargo (tal como em Seia), segundo parece. Pelo menos, nunca mais, no texto do diploma, se volta a falar do juiz, inclusive em cláusulas onde a menção seria obrigatória, como aquela em que se alude às autoridades a quem pode fazer-se queixa contra autores de furto (“Si quis de domo alterius aut extra domum se per vim acceperit et dominus suus venerit cum rancura ad comendatorem domus vel ad alcaide vel ad iusticias vel ad maiordomum…”), ou, com maior razão, aquela em que se estabelece uma garantia monetária para as autoridades concelhias: “maiordomus et sayon et iustitie et portitor de alcaide sint cautati in D sólidos”.

Pelo mordomo, são tratados, pelo menos em primeira instância, os assuntos da justiça particular, que não necessitam de ir a julgamento das (ou melhor, como veremos, “dos”) “justiças” ou do concelho, especialmente os delitos comuns mais frequentes. A respeito do saião nada se acrescenta, e quanto ao porteiro do alcaide teremos de aguardar o estudo de outros forais para ficarmos com mais algum esclarecimento, para além daquilo que a expressão, com que o cargo é designado, sugere.”

“Neste foral aparece repetidas vezes mencionado um órgão plural – justiças –, a que tínhamos encontrado a primeira, ainda que vaga, referência no foral de Redinha. Quanto às suas funções, o texto do foral mostra tais “justiças” presentes nas reuniões do concelho, onde se trata dos interesses gerais do município; mais à frente, a receber queixas de particulares contra outros; depois, em simultâneo com o concelho, a fixar critérios sobre a instalação de moinhos, para além daquela cláusula, acima referida, onde se “coutam” como os titulares dos outros cargos do município, e da outra, onde se entregam, com os seus bens, ao braço justiceiro do mestre da ordem, se se deixarem arrastar pela tentação da venalidade ou do compadrio. Quanto ao modo como funcionavam, colectiva ou individualmente, não se encontram dados no texto. O mesmo se diga em relação ao número, se bem que encontremos apenas dois – não hesitemos em aplicar o masculino – a assistir como testemunhas à outorga do foral. Embora um pouco estranha para nós, a designação – os justiças, o justiça – vigorava, infere-se pelo menos do texto do diploma, quando o foral foi concedido a outras terras. Parece, no entanto, que não era difícil rebuscar nas tradições da região outro nome mais sonante (os alvazis), para designar a mesma função, como parece ter acontecido nos forais outorgados a Lisboa, Santarém e Coimbra, dali a quatro anos, conforme a seu tempo veremos.”

“A maior parte das cláusulas do foral de Tomar, de 1174, teve como objectivo o estabelecimento de princípios e normas de actuação, na administração da justiça, e a fixação das coimas correspondentes aos vários delitos.
500 soldos – homicídio, rouso e violação do domicílio no couto da vila
60 soldos – os mesmos delitos, fora do couto da vila
60 soldos – mutilação (“membro absciso”)
60 soldos – lançamento de esterco ao rosto
60 soldos – reunir parentes, armas ou paus e ferir ou bater com eles
60 soldos – venda de vinho no período de relego
60 soldos – agredir com armas, intencionalmente e com ira, no couto da vila
30 soldos – agredir com armas, intencionalmente e com ira, fora do couto da vila
60 soldos – roubar, de noite, em vinha ou almoinha alheia (perde também as vestes)
1 maravedi – levar coisa furtada, de vinha ou almoinha alheia, em saco ou cesta ou no regaço, ou segar forragem
5 soldos – roubar em vinha alheia, de dia, para comer, ou meter animal na forragemperder os bens – esposa adúltera(para o mestre ou senhor) – moleiro que desrespeita normas sobre a instalação de “cambas” (moinhos)- mordomo que não cumpre o direito, por venalidade ou compadri o dobro do valor – extorsões (tomar algo à força dentro ou fora da casa de alguém)perder armas – quem andar com armas dentro da vila, mesmo sem feriruso da terra – furtouso da terra – cortar estradas públicas do concelho ou caminhos, com valauso da terra – mudar marcoscastigo físico – feridas, ou furtos em herdades, se não puder indemnizar o lesadocastigo físico – “vozeiro” falso.”

“A razão que fez surgir o segundo foral de Tomar foi a necessidade de os órgãos da justiça local disporem de um código mínimo de leis pelas quais pudessem pautar a sua actuação. Ele reflecte essa preocupação, transformando-se ao mesmo tempo num precioso testemunho da jurisprudência da época:
– Ninguém pode ser condenado, sem previamente ser julgado. Este princípio, geralmente suposto, é especialmente citado para obstar à realização de penhoras que afectem a casa de um morador: “Domus alicuis non sigilettur nisi antea vocetur ad directum”;
– Os particulares, para que lhes seja feita justiça, têm de apresentar queixa explícita (ir com “rancura”), perante o mordomo, os justiças, o alcaide ou o comendador. Como vimos, as entidades que intervêm no plano judicial são fundamentalmente o alcaide ou o juiz, os justiças e o mordomo. Não é claro o âmbito de actuação e o limite das competências de cada um destes órgãos, mas, segundo observámos, qualquer um deles pode receber queixas dos particulares, havendo ainda a possibilidade de recorrer ao comendador e ao mestre da ordem;
– Ao juiz ou alcaide compete chamar os acusados a prestar contas perante a justiça: “Sinal d’alcaide aut iudicis cum testimonio teneat”;
– Ao mordomo compete a decisão sobre todos os assuntos que não exigem julgamento, designadamente nos delitos menos graves, quando o infractor reconhece a culpa e está disposto a cumprir a pena, que de um modo geral consiste no pagamento da coima, e, se for o caso, a fazer a devida reparação dos danos causados. Mesmo assim, o foral estabelece que todas as “intentiones”, isto é, todos os processos executados pelo mordomo se fundamentem na “inquisitionem”, quer dizer, na averiguação dos factos, onde se possa recorrer à “exquisitam directam”, ou seja, à audição de testemunhas imediatas dos acontecimentos. O mordomo pode intervir, a pedido dos interessados, na recuperação de dívidas, mas não pode receber, por isso, mais que a décima parte do valor, a não ser caso de “usura” (empréstimo a juros), porque, nesse caso, receberá a importância que antes tiver combinado;”
“– Admite-se a intervenção de “vozeiros” (procuradores ou advogados), mas exige-se que tenham “cartam” (procuração), que os habilite a apresentarem-se nessa qualidade, que possuam bens com que possam pagar, e que apresentem fiador, isto como meio de acabar com os que, para obter proveitos, se faziam “vozeiros” falsos, praga que, pelos vistos, enxameava nessa época;
– A testemunha falsa, além de ser obrigada a indemnizar as vítimas dos danos causados pelo seu falso testemunho, tem de pagar uma coima de igual valor e perde o crédito perante a justiça, que não a aceitará mais a dar qualquer testemunho;
– Admite-se a apresentação de fiadores, que assumem as consequentes responsabilidades;
– Em princípio todas as penas se reduzem a uma importância a pagar pelos delinquentes, mas, em certos casos, prevê-se o recurso ao castigo corporal: quando o autor de ferimentos não indemnizar a vítima, ou quando os salteadores de vinhas e almoinhas não tiverem meios suficientes para pagar a correspondente coima, ou ainda em relação aos escravos mouros;
– Não incorre em qualquer delito o proprietário de vinhas ou campos, que, em defesa dos seus bens, no próprio acto em que o surpreende, bata ou cause ferimentos no salteador.”

“Origens dos Municípios Portugueses”, António Matos Reis, ed. Livros Horizonte, 1991,

5 comentários:

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